Quase três semanas depois das chamas consumirem sete torres de um dos maiores complexos residenciais de Hong Kong, o número de mortos subiu para Wang Fuk Court — 159 pessoas já foram confirmadas como falecidas, com 31 ainda desaparecidas. O incêndio, que começou na madrugada de 26 de novembro de 2025Tai Po, foi o mais letal da cidade desde 1948. Os bombeiros só conseguiram extinguir as chamas completamente na sexta-feira, 28 de novembro, após 72 horas de esforço contínuo. O alerta foi elevado ao nível 5, o máximo possível — algo que só havia ocorrido duas vezes antes em setenta anos. Agora, as equipes de resgate cavam entre escombros carbonizados, procurando corpos e pertences que talvez nunca sejam reivindicados. A mais jovem vítima tinha um ano. A mais velha, 97.
Como um incêndio se tornou uma tragédia sem precedentes?
O complexo Wang Fuk Court, localizado no distrito de Tai Po, abriga cerca de 4.600 moradores em oito torres de mais de 30 andares. Sete delas foram atingidas. O fogo começou em um apartamento térreo, mas se espalhou como um vulcão por causa do revestimento da fachada — um material inflamável que, segundo investigações preliminares, foi instalado durante uma reforma de 2024. Moradores haviam reclamado sobre o risco, mas o Departamento do Trabalho de Hong Kong classificou o local como de "baixo risco". Isso não foi um acidente. Foi negligência. E agora, centenas de famílias perderam tudo — e muitos, seus entes queridos.Os bombeiros mobilizaram mais de 2.000 agentes, além de mil policiais. Helicópteros lançaram água sobre os prédios em chamas, mas o calor era tão intenso que as mangueiras derretiam. Os elevadores pararam. As escadas se tornaram fornos. Muitos tentaram fugir por janelas. Alguns saltaram. Outros ficaram esperando por ajuda que nunca chegou. A cena, descrita por sobreviventes, lembra cenas de guerra: corpos em corredores, crianças abraçadas aos pais, o cheiro de carne queimada misturado à fumaça de plástico.
Identificação das vítimas e o peso da dor
Até 3 de dezembro de 2025, 140 corpos haviam sido identificados — 91 mulheres e 49 homens. A polícia trabalha com amostras de DNA, dentes e anéis de casamento. A identificação é lenta porque muitos corpos foram completamente carbonizados. Um bebê de um ano foi encontrado nos braços da mãe, ainda com o biberão ao lado. Um idoso de 97 anos foi encontrado em seu quarto, com o jornal do dia ainda na mesa. A dor não é apenas coletiva. É íntima. Cada nome é uma história que se apagou.As autoridades admitiram que os sistemas de alarme de incêndio estavam desativados em alguns andares. As portas corta-fogo, obrigatórias por lei, estavam travadas. O que era para proteger, matou. E enquanto as famílias choram, o governo anuncia que vai criar uma plataforma online para centralizar ajuda — mas já dispersou postos de doações organizados por voluntários. A contradição é gritante.
O silêncio forçado e a intervenção de Pequim
No sábado, 29 de novembro, Hong Kong entrou em três dias de luto oficial. Milhares levaram flores ao memorial temporário perto do complexo. Mas no mesmo dia, o Escritório para Salvaguardar a Segurança Nacional da China emitiu um comunicado: "Agitadores anti-China estão explorando a tragédia." A mensagem era clara: não questionem. Não investiguem além do permitido. E na véspera das eleições legislativas, em 6 de dezembro, o escritório convocou jornalistas estrangeiros para adverti-los contra "informações falsas" — um termo que, na prática, significa qualquer coisa que desafie a narrativa oficial.Isso não é coincidência. O governo de Hong Kong, sob pressão de Pequim, está tentando controlar a narrativa. Enquanto isso, o comitê independente de investigação — anunciado como sinal de transparência — ainda não tem membros nomeados. As empresas responsáveis pela reforma da fachada ainda não foram identificadas publicamente. E os moradores que reclamaram em 2024? Ninguém os ouviu. Agora, estão sem casa, sem família, e sem respostas.
O que acontece agora?
As buscas nos escombros devem levar mais três semanas. Enquanto isso, centenas de famílias vivem em abrigos temporários, muitas delas sem documentos, sem dinheiro, sem perspectiva. O governo prometeu compensação, mas não disse quanto. Nem quando. O comitê de investigação prometeu focar em "pessoas ligadas às empresas de reforma" — mas não há garantia de que serão punidas. Em 1996, um incêndio em um prédio em Kowloon matou 41 pessoas. Ninguém foi preso. Em 2010, outro incêndio em Tsim Sha Tsui matou 12. Ninguém foi responsabilizado.Este não é apenas um acidente. É um sistema que falhou. Um sistema que prioriza lucros sobre vidas. Que ignora reclamações. Que silencia críticas. E que, agora, tenta esconder o que aconteceu por trás de um muro de silêncio.
As lições que Hong Kong não pode ignorar
Hong Kong tem mais de 400 edifícios residenciais com mais de 30 andares. Muitos têm mais de 40 anos. A maioria passou por reformas sem fiscalização adequada. A legislação de segurança contra incêndios existe — mas é mal aplicada. E os moradores, muitos deles idosos ou de baixa renda, não têm poder para exigir mudanças. O que aconteceu em Wang Fuk Court não é um caso isolado. É a ponta de um iceberg.Se Hong Kong não reformar urgentemente seu sistema de inspeção predial, se não punir os responsáveis por negligência, se não garantir que os moradores possam denunciar sem medo, outro incêndio virá. E a próxima vez, pode ser seu prédio. Seu apartamento. Sua família.
Frequently Asked Questions
Por que o incêndio se espalhou tão rápido no Wang Fuk Court?
Investigações apontam que o revestimento da fachada dos prédios — instalado durante uma reforma em 2024 — era feito de material altamente inflamável, que permitiu que as chamas subissem verticalmente como uma chama de velas. Além disso, portas corta-fogo estavam travadas e alarmes desativados em vários andares, criando um efeito de "chaminé" que acelerou a propagação.
Quem é responsável pelas falhas de segurança no complexo?
As empresas responsáveis pela reforma da fachada ainda não foram identificadas oficialmente, mas o comitê de investigação está focado em seus envolvidos. O Departamento do Trabalho de Hong Kong aprovou a reforma mesmo após reclamações de moradores sobre riscos, sugerindo falhas na fiscalização. A responsabilidade é compartilhada entre construtoras, inspetores e autoridades locais.
Por que o governo dispersou postos de doações de voluntários?
O governo alegou que as doações precisavam ser centralizadas em uma plataforma oficial para evitar "desorganização". Mas muitos moradores e ONGs suspeitam que o objetivo era controlar a narrativa e impedir que grupos independentes ganhassem visibilidade. A ação gerou críticas por parecer mais preocupada com a imagem política do que com o apoio real às vítimas.
O que significa a intervenção do Escritório para Salvaguardar a Segurança Nacional da China?
O escritório, braço de Pequim em Hong Kong, convocou a mídia estrangeira para advertir contra "informações falsas" — um sinal claro de tentativa de censura. Isso ocorreu na véspera das eleições legislativas, sugerindo que o governo quer evitar que a tragédia seja usada para criticar o controle político de Pequim sobre Hong Kong, mesmo em meio a uma crise humanitária.
Quais são os riscos para outros edifícios em Hong Kong?
Mais de 400 prédios residenciais em Hong Kong têm mais de 30 andares e muitos passaram por reformas sem inspeção rigorosa. O mesmo tipo de material inflamável usado em Wang Fuk Court é comum em edifícios antigos. Sem auditorias obrigatórias e punições reais para negligência, o risco de outro incêndio em larga escala é alto — e iminente.
As vítimas receberão alguma compensação?
O governo prometeu uma plataforma de apoio, mas ainda não divulgou valores, prazos ou critérios. Famílias de vítimas sem documentos ou sem seguros residenciais correm risco de ficar sem qualquer ajuda. Até agora, nenhuma empresa responsável pela reforma foi obrigada a indenizar — e os moradores que pagavam aluguel estão agora sem teto e sem renda.