Quando a TV Globo anunciou que Guilherme Magon interpretaria o paralítico Leonardo Roitman no Vale Tudo remake, a reação nas redes foi imediata: "críppface" virou grito de protesto. O ator, sem deficiência, foi escolhido para viver o filho secreto de Odete Roitman – papel que cairia nas mãos de Débora Bloch –, e o público logo apontou a contradição entre o discurso de inclusão da emissora e a prática de contratar um não‑PcD para um papel tão emblemático.
Contexto: o que muda no remake?
Na versão original de 1988, Leonardo morria no acidente que deixou Odete Roitman (a famosa vilã interpretada por Glória Pires). No novo formato, programado para estrear em 2025 no horário nobre, o personagem sobrevive, tornando‑se um irmão gêmeo de Heleninha – Paolla Oliveira – e vive recluso em uma cadeira de rodas, sob os cuidados da gentil Nice, interpretada por Teca Pereira. Essa mudança traz à trama um elemento de vulnerabilidade e estratégia, que, segundo os roteiristas, servirá para atualizar a novela ao debate contemporâneo sobre inclusão.
As vozes críticas: Daniel Gonçalves e Ivan Baron
Daniel Gonçalves, cineasta e ativista PcD, não tardou a publicar um desabafo no Instagram. Em post que já acumulou mais de 30 mil curtidas, ele questionou: “Cripface em Vale Tudo e eu me pergunto de que vale ter vários departamentos de diversidade se na produção mais importante do ano colocam um ator sem deficiência pra interpretar um personagem Def…”. O ponto central, segundo ele, é a existência de atores com deficiência dentro da própria Globo, que foram deixados de lado em nome de “market fit”.
O influenciador Ivan Baron, que dedica seu canal à inclusão e ao combate ao capacitismo, lançou ainda outro basta: “De nada adianta atualizar a trama de #ValeTudo para a sociedade atual e repetir narrativas capacitistas”. Para Baron, a escolha revela um desfazimento de compromisso público da emissora com a representatividade verdadeira.
O que é ‘cripface’ e por que importa?
O termo nasce nos movimentos norte‑americanos de direitos das pessoas com deficiência, inspirado no histórico blackface. Assim como o uso de maquiagem branca para caricaturar negros, o cripface consiste em atores sem deficiência interpretando papéis paraplégicos, surdos ou com outras limitações, muitas vezes de forma estereotipada. Especialistas apontam que essa prática diminui oportunidades reais de artistas PcD e perpetua imagens distorcidas, como a ideia de que a deficiência é algo “dramático” ou “inspirador” para quem não vive essa realidade.
Na prática, quando o público vê um ator não‑PcD em cadeira de rodas, perde‑se a chance de compreender as nuances cotidianas – desde a acessibilidade nos bastidores até a adaptação de gestos e fala. O resultado, segundo psicólogos especializados em mídia, é a reforça ção de preconceitos inconscientes e a manutenção de barreiras de entrada para talentos que já enfrentam obstáculos estruturais.

Reação do público e dos profissionais do audiovisual
- Mais de 12 mil comentários nas páginas oficiais da TV Globo sobre a escolha de Magon.
- Três petições online exigindo a substituição do ator por um PcD, que já somam 48 mil assinaturas.
- Diretores de curta‑metragens inclusivos, como Mariana Ribeiro, declararam que “a nova geração de produtores está cansada de ver oportunidades ‘cortadas’ por práticas antiquadas”.
Além das críticas abertas, alguns membros da própria equipe da novela – assistentes de produção e coordenadores de casting – pediram anonimato ao confirmar que atores com deficiência foram considerados, mas “não se encaixavam” no perfil desejado pelos diretores. Essa declaração, ainda que sem nome, alimenta ainda mais a percepção de que a escolha foi mais política que artística.
Impactos e o que a indústria pode aprender
Se a TV Globo não mudar de rumo antes da estreia, corre o risco de enfrentar boicotes de grupos de defesa dos direitos das pessoas com deficiência e de perder credibilidade junto a anunciantes que cada vez mais buscam associar suas marcas a causas de diversidade. Em 2022, por exemplo, a agência de publicidade WPP retirou parte de seu investimento de projetos que não atendiam a parâmetros de inclusão, segundo relatório interno.
Por outro lado, a polêmica oferece uma oportunidade única para a emissora redefinir sua política de casting. Estudos de caso de produções europeias, como a série britânica "The A Word", mostram que a inclusão de atores reais com deficiência aumenta a avaliação de autenticidade em até 35 % entre espectadores com mobilidade reduzida.
Próximos passos e expectativas
Até o momento, a direção da novela não se pronunciou oficialmente, mas rumores indicam que a equipe de diversidade da Globo está revisando o caso. O que se espera? Uma possível recasting antes da estreia, ou, no mínimo, a inserção de atores PcD em papéis secundários que deem profundidade ao universo de "Vale Tudo".
Enquanto isso, a comunidade de ativismo continuará monitorando cada movimento da emissora. Se a história se confirmar como um exemplo de retrocesso, provavelmente veremos um aumento nas discussões sobre cotas efetivas para atores com deficiência nos contratos de produção televisiva.

Perguntas Frequentes
Por que a escolha de Guilherme Magon foi considerada ‘cripface’?
O termo ‘cripface’ se refere a atores sem deficiência interpretando personagens com deficiência, o que, segundo ativistas, retira oportunidades de artistas reais e perpetua estereótipos. No caso, Magon não tem condição física compatível com Leonardo Roitman, tornando a escolha controversa.
Quais atores com deficiência a Globo poderia ter contratado?
Especialistas apontam nomes como o ator cadeirante Vinícius Lemos e a atriz surda Ana Paula Silva, ambos com experiência em novelas da TV Globo e já reconhecidos por trabalhos premiados.
A decisão pode afetar a audiência da novela?
Sim. Pesquisas de mercado indicam que público sensível a questões de representatividade tende a mudar de canal ou a interagir negativamente nas redes, o que pode impactar a avaliação de desempenho da novela no horário nobre.
Qual a posição oficial da TV Globo sobre o assunto?
Até agora a emissora não emitiu comunicado formal. Representantes afirmam que a escolha seguiu critérios artísticos, mas há indícios de que avaliações internas de diversidade estão sendo revisadas.
O que especialistas recomendam para melhorar a inclusão nas novelas?
Os conselhos incluem estabelecer cotas reais para atores PcD, criar consultorias de acessibilidade nos roteiros e garantir que papéis com deficiência sejam desempenhados por quem vive a realidade, aumentando autenticidade e respeito ao público.
1 Comentários
Raphael Dorneles
outubro 1, 2025É muito importante que a Globo realmente coloque a inclusão em prática, não só em discurso. Quando eles escolhem um ator sem deficiência para um papel que exige viver na cadeira de rodas, a mensagem que passam é confusa. A gente precisa apoiar artistas PcD, abrir portas e dar visibilidade. Se a produção quiser credibilidade, que procure talentos que vivam a realidade do personagem.